Trilha, camping e céu lindo em Cerro Catedral
O Cerro Catedral que poucos conhecem
Vamos ver se consigo escrever esse artigo! É remexer em muita coisa que tento esconder, mas vai ser bacana lembrar de bons momentos.
Bom, vocês sabem que eu conheci Bariloche num verão lindo, cheio de flores, frutas vermelhas nas árvores e cheiros frescos no ar. Fui para lá acompanhada do meu namorado na época, saindo de Buenos Aires de carro. Uma viagem lindíssima para se fazer uma vez na vida.
Para todos os lugares que olhava, via perfeição. Tenho ótimas recordações de tudo que vivi lá. Não me canso de postar fotos dessa viagem que foi uma das melhores e mais especiais da vida.
O que poucas pessoas sabem, é que, durante os 15 dias que fiquei lá, fiz algo que quase ninguém conhece ou sabe. Fomos de carro até a base de Cerro Catedral e de lá, pegamos uma trilha de mais de 4 horas, entre pedras, abismos, barro, cachoeiras escondidas, florestas, riachos e pontes de dar medo.
Tudo isso para chegar em um lugar ainda mais especial, chamado Cerro Frey. Lá, você pode acampar na beira dos abismos (escolha aquele que te agradar mais) ou correr o risco de pegar pulga e piolho dormindo com mais de 20 pessoas dentro do refúgio que tem lá. É tudo bem precário mesmo. Banheiro sujo, não tem nada além de porcaria para comer, água você bebe do lago (água de degelo das montanhas) rezando para não pegar algum patógeno que te leve ao hospital.
Eu acampei na beira do abismo, pois ele havia levado uma barraca. Zero conforto. Nessa experiência tive certeza de que não nasci para acampar mesmo. Pensei que fosse passar muito frio, mas fiquei até mais quentinha do que imaginava. Venta bastante lá, pois estávamos a quase 2mil metros de altitude.
O lugar é lindo. Lindíssimo para ser sincera. Montanhas selvagens, cheias de fendas para a galera escalar (a maior parte de quem vai para lá é para isso, incluindo meu ex e seus dois amigos).
Mas foi o céu que me marcou. Lembro como se fosse hoje. Estávamos conversando, já dentro da barraca para dormir, ele pula e fala “você precisa ver isso”. O céu escurece muito tarde nos verões de Bariloche, então era quase 23h e estava meio claro ainda. Quando já estávamos na barraca, o céu estava completamente escuro. Ele abriu o zíper da barraca e disse “olhe para o céu”.
Foi o céu mais lindo que já vi na vida. Acho que minha boca demorou muito tempo para voltar a fechar. Tantas estrelas que fica impossível descrever. Dava para ver os satélites andando em sua órbita, estrelas cadentes o tempo todo (que até faltam desejos para pedir à elas). Eu observei um amontoado de tantas estrelas que até parecia uma nuvem e fiquei estupefata. Era incrível ter o privilégio de ver tudo aquilo apenas de olhar para o céu. Incrível. Aquilo me marcou muito, tanto que até hoje lembro desse momento com muito carinho e emoção.
Infelizmente não tinha uma câmera boa para registrar aquilo, mas está tudo gravado na minha memória. E claro que fiquei quase uma hora olhando aquilo e até esqueci que precisava dormir. Meu corpo estava moído da trilha e de tantas subidas. Mas agradeci muito por ter observado aquele show do universo.
No dia seguinte, acordei com ainda mais dor no corpo (hahahaha óbvio), porque dormi num colchonete que era mais fino que o dedo mínimo, ou seja, quase inexistente. Lembro que acordei com uma bolota bem no final da lombar e com todos os músculos do corpo doloridos. Totalmente despreparada e super garota de cidade (hahahaha), mas feliz. De alguma maneira maluca ou inesperada, eu estava feliz. Talvez um mix de tudo, estava ali com a pessoa que eu amava, o céu lindo, aquela vista linda e toda aquela natureza tão selvagem ao redor. Era o suficiente para me fazer esquecer todos os pontos negativos, e ficar sinceramente feliz.
Bom, depois de comer algumas frutas, frios e pães que levamos, foi a grande hora de partir para a pedra.
Foi aí que começou meu terror e todas as flores de todo o resto foi por água abaixo.
Para chegar no ponto que aqueles seres humanos queriam escalar, precisávamos pegar outra trilha, que tinha uma parte de terra (super tranquila, porém bem íngreme e cansativa) e uma outra parte de pedra. Sim, pura pedra. Eu tive que subir aquilo, que era alto pra caramba (pra não escrever “alto pra cacete”), no meio de um monte de pedra e sem corda de proteção.
Em uma das partes, já muito alto, eu não consegui ir nem para cima, e nem voltar. Conclusão: choquei! Travei. Grudei na pedra (tipo aqueles bonecos do Agarradinho da Estrela) e não tinha Cristo que me fizesse sair de lá. Comecei a chorar e pensar “vou morrer, vou morrer, vou morrer!” porque eu olhava para baixo e só via pedra, olhava para cima e só via pedra. Foi realmente uma sensação terrível e eu fiquei péssima. Pensei que o único jeito de eu sair dali, era me soltando e rolando para baixo.
Nem me lembro muito bem como sai de lá. Claro que foi com a ajuda dele, que teve toda a paciência do mundo para me resgatar. Ele percebeu que eu fiquei chocada de verdade. Meu corpo todo tremia e escorriam lágrimas que eu nem percebia. Levei uns arranhões nos braços, mas nada grave.
Aí, quando estava lá em cima, olhava para as pedras e pensava “vou ter que voltar por lá, ferrou” (novamente, para não escrever “fo*eu” que foi o que eu realmente falei, hahahaha).
Eles foram escalar, virei motivo de piada por uns instantes e ele disse que iria passar a corda para quando voltássemos. Eu confiava nele de olhos fechados, então fiquei tranquila. Maaaas… eu nem queria saber de escalar. Fiquei sentada numa pedra olhando para o belo lago que tinha lá, para as montanhas e matando tábamos com uma pedra enorme em cada mão (tábamos são moscas gigantes, chatas, que fazem um barulho absurdo e picam a gente de verdade). Foi bem divertido, porque as moscas eram bem duras, então eu tinha que dar algumas pedradas nelas para podem matar.
Quando eles desceram da pedra enorme que estavam escalando, foram para uma fenda menor e lá eu arrisquei subir alguns metros. Mas meu pavor voltou e quis voltar para o chão. É realmente uma experiência de vida e morte. Eu juro que pensei que fosse morrer.
Talvez, tirando outro dia que estava caminhando pelo parque Villa Lobos aqui em SP, e um galho gigantesco caiu exatamente onde eu passei, 1 segundo depois de eu passar (aquele galho iria cair na minha cabeça e me matar de verdade, porque era grande, grosso, cheio de pontas e caiu de uma altura de 6 metros), essa vez nas pedras do Cerro Frey, foi a experiência mais próxima da morte que tive.
Na volta, choquei novamente no mesmo lugar e ele me desceu com a corda. Chorei, tremi, tudo de novo. Mas foi legal receber o abraço dele para me acalmar.
Almoçamos e algumas horas depois, tínhamos que voltar. Eu precisava de uma cama quentinha, banho e travesseiro. Meu máximo naquelas condições era realmente um dia. Mais que isso, iria surtar muito forte.
A descida pela trilha foi mais tranquila, porém meus joelhos doeram muito mais e minhas pernas terminaram de morrer. Quando faltavam uns 40 minutos para acabar a trilha, eu estava praticamente me arrastando. Acho que grande parte do excesso de cansaço, foi devido ao stress na pedra, porque eu sempre fui uma pessoa ativa e com boas condições físicas.
Mas consegui voltar para o carro. Tirei meu tênis e meias para jogar no lixo (muita terra e tudo ficou muito sujo e gasto). Dica para quem quer fazer esse passeio é, nunca leve um tênis novo. Eu fui com o mais velho, justamente para jogar fora depois. Eles ficam destroçados.
Resumindo, foi demais. Vi o céu mais lindo que já vi até hoje em minha vida toda, quase faleci, acampei e escalei pela primeira vez na vida, aprendi a valorizar uma cama confortável, peguei toda a energia boa daquela natureza tão formidável, quase fui picada algumas vezes pelas moscas gigantes, fiquei extremamente feliz em vê-lo tão contente por estar ali (ele passou grande parte da juventude ali, escalando, então foi bem especial para ele), aprendi que limites foram feitos para serem superados e que a vida foi feita para ser vivida como esses momentos, com intensidade e amor.
Espero que pelas fotos, vocês consigam captar um pouco do que vivi lá. Foi demais e muito especial. Momentos deliciosos que guardarei para sempre na memória.