Capítulo 35

Cansada, Claire voltou para seu hotel e ficou lá durante um bom tempo. Ela iria encontrar com Norma e Klaus por volta das 21 horas no restaurante do hotel Hirschen. Klaus não fazia ideia de quem iria encontrar, pois Norma mantivera em segredo para fazer surpresa ao filho.

Klaus e Claire eram muito amigos e devido ao trabalho dela, acabaram se afastando. Ele tivera um relacionamento rápido com Tiffany, pois ela sempre acompanhou Claire nas viagens para Interlaken. Os três se divertiam muito e até hoje, Claire dava risada sozinha quando se lembrava do escândalo que Tiffany fez ao saltar de paraquedas pela primeira vez.

Ainda largada na cama, Claire estava olhando algumas coisas em seu tablet e lendo os e-mails que Rose havia mandado.

“Entendo perfeitamente a sua decisão de ficar esses dias afastada, mas por favor Claire, me diga o que ficou acertado com a Rihanna. A Shakira respondeu seu e-mail? O Alex está arrasado, conversando pouco com todos e nem parece que acabou de dar o pontapé inicial para um carreira brilhante na música mundial. O que o amor não faz… Querida, amo muito vocês dois e quero que fiquem bem, seja qual for a decisão.”

A resposta de Claire foi bem óbvia.

“A Shakira me respondeu e disse que adorou a ideia, pois sempre quis trabalhar com a Rihanna. Segunda-feira vamos terminar de acertar os detalhes da gravação.”

Ela não queria falar sobre o Alex com ninguém. Mas não pode evitar de dar uma olhada nos sites britânicos de música para ler as críticas e comentários sobre o show dele.

Todas positivas e ela sorriu ao ver as fotos do show e ver o sorriso tão lindo que ele estava nos lábios. Aqueles olhos tão claros e brilhantes sob as luzes dos holofotes que estavam todos em cima dele. O cabelo comprido reluzia e as gotinhas de suor na pele dele, pareciam pequeninos diamantes nas fotos.

Claire estava morrendo de saudade dele. Seu coração parecia que estava completamente amarrado em um nó impossível de ser desatado. Voltou a chorar por saber que dificilmente deixaria de amar aquele homem. Tentou respirar fundo para se acalmar e passou as mãos com força pelo rosto, olhando para o teto. Queria pegar seu celular e ligar para ele. Mas não sabia o que dizer. Ainda não tinha digerido a história. Na verdade, não havia digerido nenhuma das histórias, principalmente a sua própria vivência. Mas como sempre, o assunto não iria sair da gaveta do seu inconsciente naquele momento.

Ela estava de roupão e ao se levantar na cama, o deixou deslizar por seu corpo e cair no chão. Caminhou para a janela, apenas para observar a noite que chegava engolindo o tempo que passava sem parar. Ficou ali alguns minutos, sem se importar se alguém a veria nua. Seus pensamentos estavam muito longe dali e ela achou que era a hora de compartilhar com Alex, um pedaço de sua vida que ela jamais contara a ele e que apenas Tiffany sabia. Era uma ferida dolorida que explicaria toda sua aversão às drogas. Ela tinha se decidido e faria isso assim que voltasse para Londres.

Voltou até sua cama e selecionou algumas músicas para tocarem enquanto ela tomava banho e a primeira a tocar foi “All of my love” da banda Led Zeppelin. Que, junto com The Doors, estava no número 1 da lista das bandas favoritas de Claire.

– Ahhh, Robert. Você sempre me entende. – Ela disse se referindo ao vocalista da banda, Robert Plant, que escreveu a maior parte das músicas em parceria com o guitarrista e amigo Jimmy Page.

Quando Claire chegou ao restaurante, esticou o pescoço e procurou por Norma e Klaus. Assim que seu olhar cruzou com o de Norma, ambas sorriram. Klaus virou a cabeça e ao ver Claire quase correndo para chegar a mesa, ele quase engasgou com a água que bebia.

– Minha nossa! Claire! Não acredito! – Klaus se levantou e abraçou forte Claire, a levantando no ar e quase que a rodando, enquanto davam risada. – Que saudade de você, menina! – Klaus a colocou no chão e a afastou para olhá-la. – Você está cada dia mais linda.

– E você está cada dia mais forte! Céus! O que você tem tomado? – Claire perguntou dando risada, enquanto se sentavam à mesa.

– Nada de ilícito, se é isso que quer saber. – Ele respondeu sorrindo. – Apenas malhando bastante.

– E comendo quilos de proteína. Minha conta no açougue é a maior de toda a cidade. Pode ter certeza. – Concluiu Norma, arrancando mais risos de Claire.

– E o que me conta de novidade? Desde que ano eu não te vejo? – Perguntou Klaus.

– Olha, acho que eu vim aqui alguns meses antes de ir embora para New York. Então deve fazer uns quase 4 anos que não pisava em Interlaken. Estava morrendo de saudade do ar daqui. Há anos só respirando o ar poluído das grandes cidades. Gosto de sentir o cheiro da neve, do lago, das árvores.

– Verdade, você é uma das poucas pessoas que eu conheço que diz que a neve tem cheiro. – Disse Klaus e elas deram risada. – Vamos saltar amanhã?

– Eu pensei nisso. Mas acho que quero algo mais tranquilo. Não estou muito na sintonia de saltar. Pensei no paragliding. – Disse Claire.

– Ahh! Eu não acredito que você vem para cá passar o final de semana e não está na sintonia para saltar. Você não é mais a mesma, Claire. Está parecendo uma franguinha. – Klaus deu de ombros dando um gole no seu vinho tinto, claramente provocando Claire, que cerrou os olhos e mordeu os lábios, percebendo a provocação.

– Pronto! Estamos de volta aos velhos tempos. – Disse Norma.

– Não, senhora Norma. Nos velhos tempos a Claire jamais recusaria um salto de paraquedas. Mas agora ela está muito franguinha, covarde. Que pena. – E ele bebeu novamente o vinho.

Claire estava de boca aberta com a provocação do amigo e Norma balançava a cabeça. Era exatamente assim que eles agiam quando alguns anos atrás. Klaus estava se segurando para não rir, fingindo estar pouco se importando com Claire.

– Na mesma estação de sempre? Às 9 horas da manhã? – Disse Claire, cruzando os braços.

– É, pode ser. – Disse Klaus com indiferença. Claire balançou a cabeça e pediu uma taça para colocar o vinho e outra para a água.

– Você é um desgraçado, Klaus. – Disse Claire, dando risada.

– Um desgraçado que sabe exatamente como te deixar irritada! – Ele começou a gargalhar e ela o cutucou na barriga.

– Seu branquelo de merda. – Claire gargalhava também. – Seu maldito! Eu odeio você.

Klaus era loiro com os cabelos espetados e tinha os olhos escuros como a noite. Ele era tão divertido, que isso o deixava mais bonito. Klaus gostava bastante de Tiffany, mas ela não era do tipo que se apaixonava facilmente.

– Odeia nada. Você veio de Londres para me ver. Você me ama.

– Errado. Eu vim de Londres para ver sua mãe e sentir o cheiro da neve. Não seja tão pretensioso assim, Klaus.

– Exatamente, Klaus. Ela veio para me ver. Tivemos uma tarde extremamente agradável, não foi Claire? – Disse Norma.

– Absolutamente. Eu gosto muito mais da sua mãe, do que de você, Klaus. – Claire olhou para Norma e deu uma piscadela sem ele perceber.

– Bom, então vamos fazer assim. Amanhã, ao invés de saltarmos de paraquedas, eu vou fazer um Canyon Jump e você vai tricotar com minha mãe. Combinado? – Ele disse sério, mas não aguentou e começou a rir.

– Você é muito abusado, Klaus.

– Eu juro que essa não foi a educação que eu dei para ele, Claire. Isso tudo ele aprendeu com o pai. – E os três deram risada. Klaus esticou o braço e segurou a mão e Claire em cima da mesa.

– Estou muito feliz que esteja aqui de volta. – Ele disse com sinceridade e ela sorriu.

– Agora sim. Essa é a educação que eu dei a ele. – Completou Norma.

***

Às 9 horas da manhã, Claire chega no local combinado com Klaus para irem saltar. Ela estava com um pouco de ressaca, por conta das 2 garrafas de vinho que os três beberam na noite anterior.

Quando Klaus chegou, Claire já estava conversando com os instrutores e não tinha nenhum da época que ela saltava sempre, mas todos conheciam Klaus.

– Ótimo! Pelo menos você continua pontual. Não perdeu esse hábito inglês morando em New York. – Eles sorriram e se abraçaram.

– Acho que não vou perder isso nunca. Confesso que alguns americanos ficavam irritados com isso. “A britânica chegou na hora marcada, que surpresa”.

– Eu jamais vou entender isso. – Klaus balançou a cabeça. – Já conheceu todo mundo, né?!

– Claro! Você demorou para chegar. Já fui me entrosando. Pelos velhos tempos de quando chegávamos ao solo congelando. Mesmo com o sol, o frio está intenso. – Disse Claire, arrumando seu cachecol no pescoço. Klaus deu risada e foram caminhando para a sala onde iriam vestir as roupas de salto e arrumar tudo o que precisavam.

– Tudo bem. Só vai faltar a louca da Tiffany. Saudades dela. Ela continua bonita e magrela?

– Está mais linda e louca do que nunca. Está apaixonada por um holandês. Ela não admite, mas eles estão namorando. Algo que eu jamais pensei que pudesse acontecer. Os olhos dela brilham quando fala dele.

– Que bom. Fico feliz por ela. Eu estava namorando com uma mulher mais velha que mora em Berna. Mas não deu certo. A distância é uma merda quando alguém na relação é extremamente carente.

– No caso, você, certo? – Claire deu risada.

– Pois é. Continuo o mesmo tonto babão de sempre. Ela era executiva de uma empresa francesa, viajava bastante, nunca estava disponível. Acabei cansando disso. – Claire balançou a cabeça escutando o amigo. – Minha mãe me contou sobre seu namorado. Quer dizer, acho que ela me contou o que poderia contar. – Klaus disse com cuidado e Claire abaixou a cabeça. – Eu nem sei como te falar isso mas… – Claire o olhou com intensidade. – A Tiffany me contou o que aconteceu em Barcelona. – Ele declarou e mordeu o canto do dedão.

Claire prendeu a respiração e não sabe quanto tempo ficou assim, imóvel e olhando para Klaus sem esboçar reação nenhuma. Ela evitava pensar nesse assunto, fez sessão intermináveis de terapia e hipnose para esquecer esse capítulo doloroso de seu vida. E ali, onde ela queria poder esquecer tudo, a dor estava esfolando sua pele novamente. Ela pensou que a única pessoa no mundo a saber disso, era Tiffany. Sentiu uma certa raiva da amiga e também como se tivesse sido traída por ela.

– Claire, me desculpa. Ela deixou escapar um dia que estava bêbada e você estava ainda com muita dor de cabeça, se recuperando. – Klaus tentava se explicar. Claire balançou as mãos como se quisesse dissipar todas aquelas palavras.

– Tudo bem, tudo bem, Klaus. – Claire já estava arrumando as coisas de volta e pretendia devolver tudo. Não queria saltar com a cabeça quente como estava. Aquele assunto seria sempre o ponto fraco dela e ela odiava se sentir vulnerável e exposta por conta dele.

– Não, Claire! Vamos saltar! Me desculpe ter te contado. Eu deveria ter ficado de boca fechada.

– Não tem problema, Klaus. Eu só não posso saltar assim. Me desculpa. Combinamos em outra ocasião. – Claire já ia saindo da sala, caminhando pelo caminho de pedras que vieram, zonza e respirou fundo, para sentir o cheiro daquele lugar e trazer um pouco do calor do sol para dentro de si. Klaus a segurou pela mão. Se olharam. Ele não fazia ideia do que se passava na mente dela, mas sabia que a ferida estava ali ainda. – Eu nunca precisei falar disso com ninguém além da Tiffany e à mim mesma. Quero que isso continue assim.

– Eu só ia dizer que as pessoas não são iguais, Claire. Fiquei curioso quando minha mãe me disse e procurei o show dele na internet. Estava lá, completo. Eu vi quando ele dedicou aquela música à você. – Claire sentiu suas bochechas queimarem e seus olhos arderem. Ela fechou os olhos e as lágrimas caíram de lá, mesmo com eles fechados. – Não sou ninguém, mas acho que ele te ama de verdade, mesmo que tenha feito algo que você abomina tanto. Algo que te machuca até hoje. – Claire o olhou e torceu seu rosto chorando. Klaus a puxou e a abraçou forte. Ela se deixou abraçar.

Ficaram assim, abraçados, até Claire conseguir se acalmar.

– Eu preciso falar com ele. Preciso contar toda a verdade. Assim ele vai entender. – Ela disse, ainda abraçada com seu amigo e molhando a blusa cinza dele com suas lágrimas.

– Fale. Ele não é ignorante. Vai te entender e vai pensar 100 vezes antes de fazer isso de novo.

Claire se afastou e tentou respirar, passando as mãos no rosto. Olhou para o céu e fechou os olhos quando uma brisa gelada cortou sua pele úmida.

– Eu já paguei nosso salto. Estamos aqui… Vamos saltar. Não vou conseguir fazer nada agora, além de me jogar de um avião. – Eles deram risada. Mas o sorriso de Claire era triste, mesmo sendo um sorriso.

– Eu me jogo com você. Afinal, amigo existe para isso. – Klaus a puxou pela mão e eles foram voltando para a sala, para continuar os preparativos para o salto.

Claire sabia que deveria ter tido essa conversa com Alex, há muito tempo. Mas a situação não poderia mais esperar. Ela precisava colocar todas as cartas na mesa, para que entendesse de uma vez por todas, o que Claire carregava dentro de seu coração.

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