Capítulo 27
Claire estava exausta mentalmente, mas tinha que ser profissional. Estava entrando no bar White Trash Fast Food e já escutando o som pesado de rock que ela gostava muito. Já foi direto ao bar buscar uma garrafa de cerveja. Estava sozinha, vestindo uma jaqueta de couro surrada, jeans e uma bota preta. A companhia de uma cerveja alemã, era melhor que a de muita gente.
Caminhou entre algumas pessoas estranhas, vestidas de maneira gótica e outras completamente alheias ao mundo de tão alternativas. Ela gostava dessa diversidade. Na verdade, ela se divertia com as diferentes visões que o mundo lhe oferecia e jamais olharia com preconceito para alguém, só porque tem um estilo exótico.
Se encostou na parede e ficou olhando a banda tocar. Eram 4 cabeludos. O vocalista tinha o timbre do Bruce Dickson da banda Iron Maiden. O guitarrista com certeza tinha um Q do Keith Richards, por conta do seu rosto magro e marcado. O baterista era insano, cabelo amarrado e usava uma regata preta colada ao corpo. O baixista era o mais baixinho, porém o que tinha a cabeleira mais longa, tinha dedos rápidos e um rosto bonito.
Eles estavam tocando a música Raining Blood da banda Slayer. Completamente heavy metal. Os cabelos balançavam no ritmo alucinado e acelerado da música. Claire balançava de leve a cabeça, curtindo a música, achando que aquela velocidade humanamente impossível de ser alcançada. Mas, assim como a própria banda Slayer, eles estavam conseguindo fazer isso com louvor.
Enquanto bebia a cerveja e escutava aquela banda de heavy metal tocar, ela olhou para as pessoas que estavam à sua volta. Ao longe, viu o vocalista da banda Rammstein com um grupo de amigos, curtindo o som da banda que estava tocando. Com certeza o som era bem parecido com o de sua própria banda. Ele deveria estar com 50 anos, pelas contas de Claire. Eles haviam se conhecido em um evento em NYC que reuniu diversas bandas de metal. Mas ela continuou ali onde estava, analisando a banda que estava tocando. Fez algumas anotações em seu celular e depois de algumas dezenas de minutos, o show da banda acabou.
Alguns minutos de DJ, para que houvesse a troca dos equipamentos de som e ela pediu mais uma cerveja.
– Posso te pagar uma cerveja, gata? – Disse um rapaz que se aproximou dela. Falando em inglês, talvez pelo fato de ela ter cara de quem não fala alemão.
– Não, obrigada. – Ela pega a sua garrafa com o barman e mostra ao rapaz. – Eu posso me servir de cerveja.
– Humm… Faz o tipo independente? – Disse ele, se apoiando pelo cotovelo no balcão do bar, enquanto Claire dava o primeiro gole de sua segunda garrafa de cerveja.
– Não faço tipo algum. Eu sou independente. – Ela sorriu para o rapaz e deu uma piscadela.
– Pelo seu sotaque, devo prever que você é inglesa. Estou certo?
– Sim. Nascida em Londres. – Ela começou a ficar um pouco de saco cheio de conversar com alguém que ela não queria conversar.
– Eu tive uma namorada inglesa. Mas ela não era tão bonita quanto você.
– Olha, eu não sei onde quer chegar com esse papo, mas já te digo que tenho um namorado. E sou completamente apaixonada por ele.
– Uau! – O rapaz se afastou um pouco, mas tornou a se aproximar. – Admito que é bem difícil ver uma mulher como você e não se interessar. Mas acredito que ele seja um homem de sorte. – O rapaz disse. Claire sorriu e acenou com sua garrafa de cerveja no ar. – E por que está aqui sozinha?
– Trabalho com música. Sou uma headhunter.
– Espera. Você trabalha em qual gravadora? – O rapaz disse de maneira séria. Claire o olhou.
– Na London Records.
– Não acredito. – O rosto do rapaz se iluminou e ele começou a sorrir muito. – Eu mandei uma fita demo para vocês, no ano passado. Sou o vocalista da próxima banda que vai tocar. Um dos meus sonhos é gravar com vocês.
– Provavelmente eu não escutei sua fita, porque cheguei na gravadora pouco mais de um mês. Mas estou caçando, vá lá, faça seu melhor. Se forem bons, consigo uma entrevista para vocês.
– Isso! Lembrei seu nome! Claire! Claire Thompson. Eu li sua entrevista para a revista Rolling Stones! – Claire começou a rir. – Sabia que te conhecia de algum lugar.
– Bom, agora que já sabe, faça o seu melhor no palco. – Ela sorriu e deu outra piscadela ao rapaz.
– Vamos detonar! – Ele ficou todo empolgado e saiu quase que pulando do lado de Claire.
Ela ficou rindo e ainda tranquila, bebendo sua cerveja. Totalmente discreta. Recebeu uma mensagem de texto de Alex, dizendo que havia escrito uma música. “Será que levo para mostrar à Rose amanhã?”
“Sim. Com certeza. Mas mande no meu e-mail primeiro? Digite no celular e mande para meu e-mail!”
“Tudo bem. Vou fazer isso agora. Como estão as coisas por aí?”
“Tranquilo. Estou num bar de heavy metal agora, bebendo cerveja alemã e escutando um som beeeem pesado. Não sei você, mas eu gosto muito.”
“Eu prefiro algo mais leve. Você sabe…”
“Saudade de sentir seu cheiro, meu namorado.”
“Saudade de morder seu pescoço. Melhor eu parar de pensar.”
“Muita sacanagem ficar me provocando. Estou muito longe.”
“Ahh, você pode me provocar, né?! Estou anotando tudo isso no meu caderninho. Cobrarei quando você voltar!”
“Esse tipo de cobrança, eu quero muito.” Neste momento, a banda do rapaz começa a entrar no palco e tocar os primeiros acordes. “Preciso prestar atenção na próxima banda. Te ligo depois, se não chegar muito tarde no hotel. Beijos. Te amo, Alex!”
“Bom trabalho, linda. Beijos. Também te amo muito.”
A primeira impressão que Claire teve da banda, foi que eles eram bons. Mas com o passar dos minutos e a evolução das músicas, ela se deu conta que eles eram muito bons. Acordes ousados, tocadas de heavy metal com muitas influências de qualidade e um som que fazia carinho nos ouvidos de Claire, mesmo que as letras fossem pesadas e o som mais pesado ainda. Definitivamente, eles haviam conquistado Claire. Ela daria seu cartão a eles no final do show.
***
Alex escuta alguém bater a sua porta. Já estava quase pegando no sono, estava bem cansado. E queria curtir sua primeira noite em seu apartamento. Imaginou que pudesse ser Dylan à porta e decidiu que iria fingir que não estava escutando. Mas as batidas ficaram mais intensas e se ouviu algo parecido com “Aleeex, sou eu, cara. Abre a porta aí, sei que está acordado!”
Dylan não iria desistir. Alex se arrastou da cama até a porta e a abriu. Encontrou um Dylan cambaleante, mas estava sozinho. Ele deu risada e já foi invadindo o apartamento dele.
– Cara! Você não faz ideia da festa que perdeu. Esse contato com música é bom demais. – E se jogou no sofá surrado da sala. Alex fechou a porta.
– Dylan, eu preciso dormir. Estou exausto.
– Eu sei. Eu sei. Você é certinho demais, não é?! Tem medo de perder sua namoradinha? – Dylan deu risada e Alex cerrou os olhos.
– Ela não é minha namoradinha. É minha namorada. A mulher que não quero perder. – Alex estava sentindo seu sangue ferver um pouco quando viu a risada depreciativa de Dylan.
– Tudo bem. Mas antes de ir embora, eu trouxe uma coisa para você. Mas é segredo, ninguém pode saber. Aliás, duas coisas. – Dylan se endireitou no sofá e colocou a mão no bolso de seu casaco. Tirou lá de dentro um pacotinho com pó branco e um frasco pequeno com um líquido transparente.
Alex sabia exatamente o que era cada um deles. Estiveram presentes nos piores dias da vida dele. Dylan sorria ao notar que aquilo havia abalado e paralisado Alex. Era exatamente isso que ele queria. Alex sentiu sua garganta se apertar e sua boca ficar seca. Era mais difícil do que ele imaginava, ficar de frente com seus piores pesadelos. Porém, a sedução da oferta era quase irrecusável.
– Isso aqui eu escondi, para usar sozinho. – Disse Dylan, enquanto abria o saquinho do pó branco e tirava uma injeção de outro bolso. – Da altíssima qualidade, puros. – Ele passou a língua nos lábios e depois os mordeu, já seduzido pelas drogas. – E essa aqui, – ele pegou o frasco da heroína e deu um beijo – vai te fazer ir ao céu do prazer em segundos.
Alex não conseguia fazer nada, dizer nada, pensar nada. Ele não estava acreditando que aquilo estava acontecendo de novo. Toda aquela magia que ele havia fugido, estava ali, na frente dele, lhe acenando e o chamando pelo nome. Seu cérebro não estava processando nada e sentiu suas mãos começarem a suar frio e a tremer. A cabeça rodava e o ar entrava com dificuldade em seus pulmões.
– Vamos, Alex! Só um pouco. Eu sei que você pode fazer isso. A Claire não vai nem saber. – Disse Dylan, gargalhando.
Ao escutar o nome de sua namorada, o cérebro de Alex voltou a funcionar.
– Ok, cara. Você quer usar tudo isso aí? – Alex se aproximou da mesa onde Dylan havia colocado as drogas e Dylan sorriu, sabendo que havia conquistado Alex.
– Vamos usar, cara! Você vai ter um barato que jamais teve na vida!
Subitamente, Alex pegou com uma das mãos o frasco e o pacote de pó. Sentiu que eles queimaram em sua mão. Escutou que eles estavam implorando para que ele não fizesse o que ia fazer. Foi rapidamente em direção a janela e Dylan se levantou bruscamente do sofá.
– VOCÊ NÃO VAI JOGAR ISSO FORA. – Dylan gritou e correu até Alex. Conseguiu segurar seu braço e buscar a droga na mão dele. Alex apertou forte a droga e foi como se estivesse apertando a lâmina de uma espada samurai.
– ENTÃO LEVE ESSA MERDA PARA FORA DO MINHA CASA! – Ele devolveu a droga para Dylan, batendo com força no peito dele, que pegou tudo de forma desajeitada.
– Não é legal. Não é legal. Isso não é legal. Você não sabe o quanto foi difícil conseguir isso aqui e o preço que paguei. Deveria me agradecer por querer compartilhar com você, seu trouxa!
– Eu não quero mais usar drogas! – Alex disse com seus dentes cerrados e com toda sua fúria tomando conta de seu corpo.
– Ok. Não sabe o que está perdendo. – Disse Dylan, dando de ombros.
Ele voltou até a mesa, passou a mão na injeção e foi embora, batendo a porta.
Alex conseguiu voltar a respirar e sentia uma raiva absurda espalhada por ele todo. Olhou para sua mão, para ter certeza de que as drogas não o haviam machucado realmente. Mas notou o pó branco em sua mão. O bastante. Se ele lambesse aquele pó, iria sentir aquela sensação que ele tanto sentiu, tantas vezes. Suas mãos tremeram novamente e ele não sabia o que fazer. Aquele pó estava novamente acenando para ele. “Só uma lambidinha na sua própria mão, para limpar”. Era o que ele escutava.
Estava sozinho. Se sentou no chão olhando para a própria mão, pintada de branco, como alguém olha para um cachorro atropelado, agonizando para sobreviver, respirando para se manter vivo. Sentia todo seu corpo tremer, suar frio e cada célula de seu corpo, estava fazendo um coro de voz que ecoava dentro da sua mente. “Lambida! Lambida! Lambida!”
A ideia estava reverberando dentro dele, forte como um raio.
Ele passou a língua seca em seus lábios, desejando sentir aquela sensação somente mais uma vez. Só mais uma vez. Só mais uma vez. E depois nunca mais.
– Só mais uma vez… E depois nunca mais… – Ele disse, baixinho.
Já não pensava em mais nada. Ele queria sentir aquilo. Ele respirava entre os dentes e sentia os braços daquela sedução o envolvendo num abraço quente. Não havia nem sombra de pensamento de mais nada, muito menos de Claire.
Ele estava sozinho, ninguém iria saber. Ninguém jamais saberia e seria somente aquela vez. Uma única vez. A última de todas.
Ele estava levando a mão lentamente em direção a seu rosto, sentindo cada batida acelerada de seu coração, explodir em seu peito. Era a adrenalina e ele gostava de sentir aquilo. Era algo viciante que só quando sentiu novamente, percebeu o quanto aquela sensação fazia falta. Ele estava hipnotizado.
Seu celular começa a tocar.
Como se saísse de um transe, ele pula. Como se tivesse acordado de um sonho, ele percebe o que estava prestes a fazer. Engole seco. Seu celular ainda toca e ele se levanta, corre para atender. Era Claire. Ele pensa se atende ou não. Se faz o que ia fazer ou não. Sente seu cérebro dar um nó, o pó na sua mão estava pensando uma tonelada. Precisava se livrar daquilo.
Pegou o celular e caminhou até a cozinha, abriu a torneira e lavou todo o pó que estava em sua mão. O barulho do celular cessou. Ele sentia sua cabeça fervendo e num impulso, enfiou-a embaixo da água gelada que saía da torneira. Deixou que caísse água suficiente para esfriar seu sangue, baixar sua adrenalina. Só então, ele se deu conta do que quase acabara de fazer. Deixou que as lágrimas tomassem conta e soluçou o tanto que foi necessário.
Só depois de algumas dezenas de minutos, que ele se sentiu calmo o suficiente para ligar para Claire. E mais uma vez, se sentiu um lixo e fraco. O pensamento de que não a merecia, começou a tomar conta dele.