Capítulo 12
“- Pai! Pai! Não faça isso! – Eu gritei para meu pai, que estava com uma faca apontada para minha mãe, em uma madrugada fria de janeiro de uma terça-feira.
Eu tinha apenas 10 anos e meu pai estava completamente embriagado. Minha mãe chorava e gritava para que eu ficasse longe. Ela estava trabalhando em um turno da noite no hospital em que era enfermeira e havia acabado de chegar, era por volta das 5 horas da manhã. Minha mãe estava cansada e só queria comer e dormir. Nossa casa era pequena, alugada e nossos móveis eram velhos. Mas eu tinha a minha mãe e ela me tinha, como seu porto seguro.
Meu pai achava que ela o estava traindo, por isso optara por trabalhar de madrugada. Mas ele se esquecia das dívidas que ele mesmo contraía por conta de seus exageros na bebida e nos jogos de azar. Minha mãe era uma pessoa digna, honrada e sentia a necessidade de quitar tudo, mesmo que fizesse o esforço de não dormir por algumas noites. Meu pai não se preocupava com nada, não trabalhava e não queria saber de parar com essa vida.
Morávamos na cidade de Durham, bem ao norte da Inglaterra. Nossa casa não tinha conforto, mas era limpa e bem quente.
– Eu estava trabalhando, seu desgraçado! E enquanto eu estava trabalhando para quitar todas as suas dívidas, você estava fazendo novas! Seu bastardo desgraçado! – Minha mãe gritava e eu escutava, ao longe. Tinha me afastado, fazendo o que minha mãe havia pedido.
– Você está me traindo! Eu sei que está me traindo, Susan! Me disseram que você está saindo com um dos médicos que fica no seu plantão da madrugada! Confesse, sua vadia! – Meu pai gritava e lágrimas escorriam pelo meu rosto e pelo da minha mãe. Eu apenas via a sombra da faca, ficando cada vez mais perto do rosto da minha mãe. Estava desesperado para fazer alguma coisa, mas seria impossível entrar no meio daquela discussão que estava mais forte do que todas as outras anteriores. – CONFESSE SUSAN! – Meu pai gritou mais alto.
– É verdade! Estou te traindo sim! E não me arrependo de nada! – Minha mãe cuspiu na cara do meu pai e um silêncio assustador se seguiu. Eu era criança, mas sabia exatamente o que tudo aquilo significava.
Dei alguns passos e vi minha mãe, chorando com as mãos cobrindo o rosto e meu pai, paralisado com a faca na mão, com olhos tão abertos que eu acredito que todo o efeito do álcool, havia sumido de seu corpo em fração de segundos.
– Você acha que é fácil chegar em casa e se deitar ao lado de um homem nojento feito você? Um homem que cheira álcool e cigarros mesmo depois de ter saído do banho. Um homem que não sabe como cuidar de uma mulher e não faz nada para melhorar sua situação. Um homem vagabundo que não trabalha há mais de um ano e que não para em emprego algum por conta das brigas e confusões que se mete! Um homem que é um exemplo de merda para seu próprio filho! – Minha mãe gritava, chorava e apontava o dedo para meu pai, que ainda estava parado, olhando para o nada. Pensei que ele pudesse nem estar escutando o que minha mãe dizia. – Seu próprio filho tem vergonha de você! – Senti meu peito doer, pois era verdade. Eu tinha vergonha do meu pai e tinha muito medo também, devido às explosões de humor que ele tinha a todo momento. – Você é um fracassado, John! Um fracassado que nunca será nada na vida, além de um homem de merda, bêbado e viciado!
Meu pai olhou para minha mãe e parecia que sua raiva seria capaz de expelir fogo através dos olhos. Ele levantou a faca e a apontou para minha mãe. Escorriam lágrimas por seus olhos. Jogou a faca para longe e se aproximou de minha mãe, a puxando pelos cabelos e lhe deu um tapa no rosto. Fechei meus olhos e escutei o grito da minha mãe. Quando abri os olhos, ela já estava no chão, chorando. Meu pai, parado na frente dela, cerrava os punhos.
– Quero você fora dessa casa! AGORA! – Ele gritou e saiu de perto dela. Passou por mim e nem me notou. Eu podia escutar a respiração forte dele, abrindo a porta de casa e saindo para a rua, com apenas uma blusa. Em um frio de aproximadamente -3 graus.
Corri até minha mãe que estava tentando se levantar, segurando o braço que possivelmente estava machucado.
– Mamãe! Eu te ajudo a levantar! – Eu disse, chorando e apavorado.
– Vá dormir, Alex. Por favor, meu filho. Vá dormir. – Minha mãe disse entre soluços, chorando também. Ela se levantou e me puxou para si. – Eu te amo, filho! Te amo muito. Está tudo bem agora. Pode ir dormir.
– Não quero deixá-la sozinha, mamãe. – Eu disse, limpando meu rosto com as mãos.
– Venha, vou colocar você para dormir. Está muito frio e precisa descansar. – Ela me abraçou e fomos caminhando para meu quarto.
Ela me colocou na cama, me cobriu com dois cobertores fofos e quentes. Se abaixou ao meu lado na cama e passou a mão em meus cabelos. Seus olhos não paravam de minar lágrimas e eu estava com um mau pressentimento. Um medo de algo que poderia acontecer.
– Quer que eu cante para você dormir, meu filho? – Ela perguntou. Eu disse que não. Não queria música naquele dia. Minha mãe era uma cantora maravilhosa e sua voz era doce como o mel. Mas aquele dia estava diferente. Era tudo muito triste, assim como o inverno. – Filho, nunca se esqueça que eu te amo mais que minha própria vida. Você é a luz que ilumina todas as minhas manhãs e o brilho da lua que me guia por todas as noites. – Eu sorri junto com ela, que se aproximou e me deu um beijo demorado na testa. Depois se levantou e parou na porta. – Eu te amo, Alex.
– Eu também te amo, mamãe. – Eu disse, com um nó na garganta que estava me fazendo sentir dor.
Ela sorriu entre as lágrimas e apagou a luz do meu quarto. Me olhou mais uma vez e me mandou um beijo, fechando a porta.
Foi a última vez que eu vi minha minha mãe. E a última vez que eu disse “eu te amo” para alguém.
Quando acordei algumas horas mais tarde, a casa estava silenciosa demais. Sai debaixo das cobertas e fui procurar por meus pais. A casa estava vazia. Corri para o quarto dos meus pais e vi que tudo estava revirado e as coisas da minha mãe não estavam mais lá. Sentei na cama deles e abracei minhas pernas, chorando. Uma criança indefesa, dentro de uma casa que estava naquele momento gelada e sem a proteção dos pais.
Não sei exatamente por quanto tempo fiquei lá. Mas corri para a sala assim que escutei o barulho da porta de entrada se abrindo. Era meu pai. Estava mais bêbado que antes e quase não conseguia fechar a porta.
– Susan! Cadê você, sua vadia? – Ele chamou por minha mãe. Ele me viu e parou na minha frente, balançando de um lado para o outro. – Onde está a sua mãe, Alex?
– Ela não está aqui, papai.
Ele passou por mim como um raio, me empurrando para longe, para procurar por minha mãe. Eu não o segui até o quarto, mas pude escutá-lo chorando quando percebeu que ela havia ido embora.
Não demorou muito tempo para que acontecesse o inevitável. Meu pai foi internado no hospital com câncer de fígado em estágio avançado. Eu fui mandado para a casa dos meus avôs paternos em Liverpool.
Alguns meses depois de eu estar lá, recebemos a notícia de que meu pai havia falecido. Eu já tinha 11 anos e estava estudando, sendo bem cuidado por meus avôs e recebendo o carinho deles.
Fomos para Durham, para o enterro do meu pai e ainda assim, eu tinha esperança de um dia voltar a ver minha mãe. Eu a procurava em todas as mulheres de cabelos escuros e branca como o leite.
Minha vida em Liverpool foi boa. Meus avôs eram mais pobres que minha família em Durham, mas eles me davam tudo o que eu precisava. Me inscreveram em cursos de música gratuitos que havia na cidade para crianças carentes e em poucas aulas, meu talento para a música foi aparecendo. Fiz aulas de violão, guitarra, piano e canto. Era um ótimo aluno e fizemos diversas apresentações.
Os anos foram se passando e aos 20 anos, meu avô faleceu e minha avó, já debilitada por conta do Alzheimer que estava a consumindo, fora morar com minha tia em uma parte melhor de Liverpool. Minha tia não aceitava que eu morasse com eles e foi neste momento que me vi sozinho na vida.
Tinha algum dinheiro guardado que meus avôs me davam e que eu havia ganhado em alguns empregos que eu fazia e até mesmo, em algumas apresentações que eu fazia em bares de Liverpool.
Decidi vir para Londres. Não tinha amigos, não tinha mais ninguém da família e não sabia o que iria fazer. O dinheiro daria para aguentar alguns meses, mas eu teria que tentar fazer o que meu coração me mandava fazer: cantar e tocar.
Fiquei trabalhando durante anos em um bar perto de Candem Town, e também era perto da minha casa. Tinha um pequeno apartamento alugado, que dividia com uma mulher que tive um relacionamento durante alguns anos. Quando eu tinha 25 anos, essa mesma mulher, que tinha amigos que faziam tudo de errado, trouxe para dentro da nossa casa, um pacote com cocaína. Já havíamos fumado maconha algumas vezes, mas cocaína era novidade.
Foi nessa época em que me viciei. Me tornei uma pessoa que eu jamais pensei que me tornaria. Eu estava viciado como meu pai. Na verdade, eu era pior que meu pai.
Minha namorada me abandonou um ano depois e eu continuei pagando o aluguel do apartamento sozinho. Mas aos poucos, minha voz estava ficando debilitada e minhas apresentações foram diminuindo progressivamente. Até que um dia, eu tinha apenas 54 libras no bolso, um aluguel de 600 para pagar e uma dívida de mais de 300 libras com um traficante. Estava alucinado em meu apartamento quando apaguei. Acordei horas depois com meu apartamento vazio e com o corpo dolorido. Os traficantes entraram no meu apartamento, roubaram tudo e ainda me bateram.
Eu tinha 27 anos quando fui para as ruas. Não tinha mais dinheiro para as drogas e então tive que ser forte e me manter longe disso, para tentar me levantar novamente. Eu ainda tinha meu violão e algumas roupas, que tenho até hoje. E foi aí que parei com as drogas e dia após dia, eu fui me reerguendo, me reconstruindo.
Não digo que sou perfeito, mas aprendi com meus erros e tenho certeza de que hoje, sou uma pessoa melhor do que fui alguns anos atrás.”