Capítulo 21

Sophie estava em seu ateliê, pintando na varanda. Estava com uma tela enorme e pintava o nascer do sol que todos os dias se fazia em sua vista. Estranhamente, ela havia mudado seus hábitos e não mais era uma pessoa noturna. Em poucos dias, ela estava dormindo mais cedo, acordando mais cedo. Estava se acostumando ao ritmo de vida que Jacques tinha, por conta de seu trabalho na empresa do pai.

Ela estava acordando antes do nascer do sol, todos os dias daquela semana, para pintar aquela tela. Ela pretendia dar de presente para Jacques e sua família. Ele havia pedido um quadro dela, mas ela não gostava da ideia de fazer um autorretrato.

Eles iriam viajar naquele dia e ela queria terminar o quadro antes de viajar. Ele iria passar na casa dela para buscá-la e iriam viajar pela França de trem. O primeiro destino seria os castelos do Vale do Loire. Ela já havia passado algumas horas lá com seus pais, mas somente de passagem. Ele não conhecia. Ela tinha certeza de que seria uma viagem romântica, pois ela tinha ideia de como era linda aquela região. Eles iriam ficar hospedados em um dos castelos.

Ela pintava e pensava na viagem. Ela sorria sozinha ao pensar que passaria dias ao lado dele, o tempo todo. Até que pensou na possibilidade de que poderiam dormir juntos e ela parou de pintar. Não tinha certeza se estava preparada para aquilo. Balançou a cabeça e continuou pintando até que terminou a tela. Ficou admirando seu trabalho e sorriu. Estava realmente muito bonito. Um nascer do sol intenso, como seria qualquer pintura de Sophie.

Marrion bateu à porta do ateliê e Sophie disse para ela entrar. Ela já não mantinha mais a porta trancada e estava deixando Marrion entrar vez ou outra para fazer uma limpeza.

– Querida, bom dia. A que horas Jacques passará aqui? Mas meu Deus! – Marrion se impressionou com a tela que Sophie havia acabado de pintar. – Que tela maravilhosa. As cores. Meu Deus! Essa é a tela para os pais de Jacques?

– Sim. Acabei de terminar, será que eles irão gostar? – Disse Sophie, limpando seus pincéis.

– Se eles não gostarem, podem devolver que eu fico com ela. Está maravilhosa.

Sophie deu risada e olhou novamente para a tela. Realmente estava lindo.

– Respondendo sua pergunta. Acredito que ela vá passar aqui por volta das 10h. O trem parte da Gare de Lyon às 11h.

– Tudo bem. Quer ajuda com as malas?

– Já fiz tudo. Estão no meu quarto. É só levar para baixo.

– Tudo bem. Venha tomar o café da manhã e depois te ajudo com o que faltar.

– Eu já vou descer. – Disse Sophie. Marrion assentiu e saiu do ateliê.

Sophie ajeitou algumas coisas e encontrou um papel antigo dobrado dentro de uma caixa. Ela pegou esse papel que era uma carta. Aquela carta era algo que Sophie havia escrito alguns anos atrás, em um de seus dias ruins. Era como se fosse uma despedida de uma vida antiga, para algo novo. Poderia ser uma despedida, pois ela queria ter se matado naquele dia. Mas no fundo, ela sabia que aquela carta era algo para uma vida nova, parecida com o que ela estava vivendo naquele momento. Ela sorriu e guardou a carta em seu bolso. Ela a levaria para a viagem.

***

Eles estavam caminhando alegremente pela plataforma da estação de Gare de Lyon, até seu vagão. Ela havia pedido para que um rapaz entregasse o quadro na casa dos pais de Jacques no dia seguinte, tempo para que a tela secasse. E ela não havia dito nada a ele sobre isso. Seria uma surpresa. Ela estava com duas malas, ele com apenas uma. Ela estava com uma calça folgada, uma camisa e um chapéu na cabeça. Ele estava apenas de camisa, com uma calça menos formal.

Ele olhava para ela ao seu lado e não acreditava em tudo que estava acontecendo. Após a morte de sua esposa, ele achava que jamais iria conseguir ser feliz como estava sendo ao lado de Sophie. Ele estava sorrindo tanto, que Sophie estava tendo problemas com esse excesso de sorrisos perfeitos.

– Jacques, por favor. Pare um pouco de sorrir, porque preciso me concentrar para encontrar os números de nosso vagão. – Ela disse, balançando a cabeça e ele deu mais risada ainda.

Em pouco tempo, eles estavam dentro do trem, acomodados, já bebendo champagne e comendo algumas coisas que haviam servido para eles. Era uma parte luxuosa do trem, na primeira classe.

– E então, qual castelo quer conhecer primeiro? – Ele perguntou para ela, enquanto o trem começava a andar devagar.

– Quero muito conhecer o Château de Chambord. Ele tem muita história. Particularmente, sou fascinada pela história de reis e rainhas, daqui da França e também de outros países como Inglaterra, Escócia e outros. Sei que dos Castelos da região que iremos, o Chambord é um dos que mais tem história, além de ser lindo.

– Perfeito. Começaremos com ele e você me dará uma aula de história. Quero saber tudo, senhora artista. – Ele disse e eles sorriram. Ficaram se olhando um tempo. – Eu nem acredito que estou aqui com você. Eu digo… me desculpe se isso vai parecer estranho, mas Julia sempre me dizia que queria fazer essa viagem, conhecer o meu país e visitar Vale do Loire. Não fique com ciúmes. – Jacques ficou com medo de Sophie se sentir diminuída por isso, ou com ciúmes.

– Jamais, Jacques. Eu tenho um carinho enorme por seu passado com ela. Tenho certeza de que se ela não tivesse ido embora, vocês estariam juntos ainda, com um filho lindo que teria seus olhos. Jamais teria ciúmes da sua história linda com ela. Sei que faz parte do que você é hoje.

Jacques sentiu seus olhos se encherem de lágrimas e apertou a mão dela em cima da mesa. Ela devolveu o aperto e sorriu para ele. Ela havia dito aquilo com todo seu coração.

– Você nunca se envolveu com ninguém? Digo, nunca teve alguma paixão ou algum namorado? – Jacques perguntou, tentando mudar de assunto e parar de quase chorar.

– Bom, já tive um rapaz em minha vida. Mas durou poucos dias. Eu não me senti viva ao lado dele. Claro que beijei algumas vezes durante essas festas por Paris, mas nada sério. Eu sempre fazia questão de manter todo mundo longe.

– Você já teve um caso com Armand? – Ele perguntou e ela sentiu que precisava ser sincera com Jacques.

– Uma vez, logo depois dos meus pais falecerem. Ele foi me ver em casa e eu estava completamente em luto, acabada. Marrion havia chamado muitos amigos para irem me ver, e Armand foi um deles. Em um momento nessa visita, ele acabou me beijando. Mas eu senti que ele estava se aproveitando da minha fragilidade e detestei o beijo. Depois desse dia, eu peguei um certo repúdio dele, não conseguia mais me sentir bem perto dele. E antes éramos amigos, nossos pais eram amigos também. Depois desse dia, eu me senti um pouco invadida por ele.

– Mas o que ele fez? Tentou fazer algo a mais do que te beijar? – Jacques perguntou, se irritando um pouco.

– Eu não lembro muito bem das coisas que aconteciam naquela época, pois além de estar afundada em minha tristeza, eu estava sempre muito bêbada. Não sei ao certo porque fiquei com esse repúdio dele. Eu só lembro do beijo um pouco forçado. Mais nada. Apaguei da minha memória muita coisa.

– Espero que ele não tenha feito nada além disso.

– Não, não fez. Acho que mesmo triste, eu teria me defendido. Isso é algo que eu sempre soube fazer muito bem. – Ela deu risada e ele mordeu os dedos, ainda um pouco nervoso. Ela percebeu. – Não aconteceu nada, querido. Todos nós temos um passado, não é?! – Ela disse e ele assentiu com a cabeça.

Jacques sorriu e brindou com ela, pedindo que suas taças fossem cheias novamente. Era realmente um início de uma vida juntos. Ele sentia isso em todo seu coração. Ela também.

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