Capítulo 4
Jacques Langreau entrou no Café Guerbois se sentindo um pouco fora de lugar. Não acreditava que iria se divertir por ali, mas depois de tanta insistência de seus pais e dos poucos amigos que ainda tinha em Paris, resolveu se dar uma oportunidade.
Logo avistou seu grande amigo Armand, com um cigarro na boca e rodando o whisky dentro do seu copo. Caminhou em direção a ele, se desviando de alguns dançarinos que estavam pelo caminho, todos aparentemente bêbados e extremamente felizes. Por um segundo, pensou no que estava fazendo ali. Aquele tipo de ambiente não combinava nada com ele.
– Pois bem, o velho filho à casa torna. – Jacques disse, ao lado de Armand. Eles sorriram e se abraçaram.
– Meu querido amigo Jacques! Diretamente de Londres, para as noites quentes de Paris. Que honra vê-lo novamente. Pensei que nunca mais voltaria para cá.
– Estava nos meus planos, mas depois da morte de Julia, meus pais quase me obrigaram a voltar. Estão se sentindo velhos e querem ajuda na empresa. Deixei meu trabalho e minha vida em Londres, para cuidar deles e dos negócios. Na verdade, meu pai não está muito bem. – Jacques dizia com tranquilidade.
– Fiquei sabendo que seu pai está com um problema no pulmão. E meus sentimentos por Julia. – Disse Armand, sendo fraternal.
– Tudo bem. Foi melhor ela ter ido embora, do que ter ficado mais tempo sofrendo. – Jacques disse, se lembrando dos últimos dias sofridos de vida de sua mulher. Jacques era viúvo há poucos meses. Julia era inglesa e eles moravam juntos em Londres.
– Fiquei sabendo disso… Bom, o importante é que está em Paris, vou lhe apresentar todos hoje e no sábado, em minha festa, todos daqui e muitos outros estarão lá. Meu amigo, bem vindo de volta à vida. Deixe-me pegar um copo com whisky para você.
Jacques ficou observando toda aquela bagunça, artistas falando um mais alto que o outro, sorrindo feitos loucos, tantas taças de vinho cheias em suas mãos, a fumaça de alguns cigarros subindo pelo ar. Ele, definitivamente, achava que aquele não era seu lugar, primeiro por ele não ser artista. Jacques era empresário e sempre trabalhou com isso.
– Tome, meu amigo. Vamos brindar a sua volta.
E eles ficaram conversando sobre tudo. Sobre a vida de Armand em Paris, algumas informações importantes sobre os artistas que estavam ali, sobre como era a vida de casado de Jacques em Londres e como tudo aconteceu até que ele decidisse voltar à Paris. No fundo, Jacques era apaixonado por Paris, mas por amar ainda mais sua falecida esposa, decidiu se mudar à cidade onde ela vivia.
Em poucos minutos, uma dançarina chamada Belle, grudou nos ombros dos dois amigos que ainda conversavam. Ela estava visivelmente embriagada e mal conseguia falar.
– Será que algum de vocês, os dois homens mais bonitos e interessantes de todo o café, poderiam dançar comigo?
– Tenho certeza de que meu amigo Jacques fará esse papel de dançarino muito bem. – Disse Armand. Belle sorriu para Jacques que deu risada, bebendo o último gole do whisky. Como não estava muito acostumado a beber, aquela era sua terceira dose, ele já estava um pouco mais à vontade.
– Claro, mademoseille. Vamos dançar.
Belle soltou um gritinho, olhou para as amigas e sorriu, como se aquilo tivesse sido uma aposta que ela tivera ganhado. As amigas deram risada, enquanto o casal ia para o meio do salão dançar.
Bastou apenas alguns rodopios para que Belle vomitasse em cima de Jacques. Deram risada, mas por incrível que parecesse, aquilo era algo meio que normal. Jacques ficou muito irritado, obviamente.
– É. Acho que acabou a festa então. – Jacques disse, se limpando, segundos antes de sair pela porta e voltar para casa. Vomitado por uma dançarina, provavelmente de algum cabaret parisiense.
Jacques nunca foi um rapaz de festas. Se apaixonou por Julia quando era adolescente ainda e infelizmente, contra todos seus planos, uma doença grave a tirou de sua vida para sempre. Eles não tiveram filhos, mas estavam tentando. Seu grande sonho era ser pai, um pai exemplar como o seu sempre foi. Carinhoso e firme, para que a educação e vida de seu futuro filho, fosse especialmente correta.
Voltando para casa, ele percebeu como tudo aquilo era completamente o oposto do que ele esperava para sua vida aos 32 anos. Ele não queria estar àquela hora na rua, voltando embriagado para casa e ainda por cima, com seu terno vomitado por uma dançarina de cabaret. Não, aquela não era a vida que ele deseja e almejava, definitivamente. Mas era a vida que ele precisava ter para quem sabe, conhecer alguém que fosse especial em sua vida. Nem que fosse para aumentar seu círculo de amizades.
Caminhava por Paris pensando em tudo. Com saudades de Julia, com saudade da vida cheia de amor e cumplicidade que eles levavam. Sentia falta do sorriso dela e até do barulho da gargalhada dela. Era uma saudade tão forte, tão dolorosa, que ele começou a chorar sem perceber. Jacques estava doente de saudade de sua mulher, a mulher que ele queria envelhecer segurando sua mão. A única mulher que ele havia amado. Ele acreditava realmente que jamais conseguiria amar alguém intensamente como amou Julia. Essa sensação de vazio estava destruindo Jacques. Ele não queria que sua vida fosse apenas aquilo que estava sendo naquele momento.
Jacques continuou caminhando em direção à casa de seus pais. Sua mente estava um turbilhão e ele estava perdido. Completamente perdido. Mas uma única coisa ele tinha certeza. Não queria continuar daquele jeito. De alguma maneira, ele teria que se esforçar para algo mudar.
***
Sophie estava sentada em sua varanda, fumando seu cigarro e observando a noite. O céu estrelado estava maravilhoso, não havia nuvens para atrapalhar sua visão perfeita do universo. Uma brisa soprava em seu rosto devagar, sem deixá-la com frio.
Ela respirou fundo e tentou não dar atenção a tudo que escutou naquele dia. E na verdade, também não queria pensar no que havia feito. Dançar com Armand.
Não conseguia se enxergar com ninguém que conhecesse, ninguém que fizesse parte do seu círculo social. Aquele sentimento congelado dentro de seu peito era completamente normal para ela. Ela realmente achava que não precisava sentir a necessidade de estar com alguém, pelo mesmo motivo pelo qual não queria ter filhos.
Uma das maiores pretensões de Sophie nessa vida era realmente passar desapercebida e ser notada apenas depois de sua morte, quando toda sua arte fosse exposta ao mundo.
Solidão era o seu sobrenome. E só não era mais solitária, porque vivia com Marrion. Mesmo com a dezena de amigos que tinha, ela sabia que era solitária. Gostava de se sentir assim, gostava de manter seus pensamentos e coração puros, sem sofrer mais devido a interferência de qualquer pessoa. A única pessoa que ela permitiria fazê-la sofrer, era Marrion. Ninguém mais.
Sophie não via glorificação alguma em sua solidão, mas a transparência de todos seus momentos de sanidade a faziam sentir prazer por ser egoísta frente ao mundo e não compartilhar seus pensamentos e arte tão peculiares e definidos. Tanto que sempre deixava escapar um pequeno sorriso no canto de seus lábios rosados, ao imaginar que sim, estava enganando a humanidade e essa sensação era tão viciante quanto o vinho que enchia sua taça todas as noites, ou os cigarros que fumava com tanto charme.
Ela gostava de esconder seu talento, não por achar que não era talentosa. Ao contrário, ela sabia que era minuciosamente talentosa, mas achava que ninguém merecia apreciar sua arte.
Esse sentimento era uma de suas diversões prediletas.
Prazer era o que ela estava sentindo naquele momento. Ela estava sozinha, ela e Paris, ela e seu cigarro, ela e a Torre, ela e a brisa que rodopiava entre as folhas quase secas das árvores das ruas. Prazer por conseguir se manter onde ela achava que deveria. Prazer por ser forte e conseguir não se envolver com ninguém. Prazer por sua arte não ser exposta para um bando de retardados sociais, como ela chamava os apreciadores fúteis de arte, aqueles que gastavam dinheiro comprando arte. Ela compreendia que muitos artistas tinham apenas esses recursos para sobreviver, um deles era chupar o dinheiro desses retardados. Mas ela não precisava disso, então se recusava a lidar com essas pessoas.
Sophie sabia que era uma pessoa bem difícil de conviver. Ela tinha plena consciência disso. Mas não ligava nenhum pouco. Ela estava em paz com ela mesma e isso já bastava.
A noite estava clara, iluminando um gato branco que caminhava docemente pelo muro de sua casa. Ela ficou minutos observando o comportamento do gato, que sentou-se no meio do muro e ficou observando a cidade também. Era como se o gato estivesse fazendo a mesma coisa que Sophie. Isso a fez sorrir.
– Quando algo é realmente bonito, todos sabem, seja lá qual for sua espécie. – Disse Sophie para ela mesma, puxando o último trago do cigarro antes de apertá-lo em seu cinzeiro. – Isso está começando a perder a graça. Preciso arrumar outra coisa para me viciar. – Ela dizia ao cigarro.
Ela se levanta para voltar ao seu quarto e tentar dormir cedo. Ela estava linda, vestida com uma camisola branca que voava levemente ao vento. De cabelos soltos, seus longos cabelos. Uma cena que ela guardava somente para seu espelho. Completamente desarmada, pura e verdadeira. Ao se deitar sentiu uma leve dor na cabeça, devido à cabeçada que recebeu, ou deu. E só então, ela percebe o rapaz.
– Eu nunca o vi no Guerbois. Quem será aquela pessoa de queixo tão duro?